Como a economia da linguagem afeta o discurso das crianças

Como a economia da linguagem afeta o discurso das crianças

23 Apr 2025

‘Posso bolacha’? Podes, mas só se não comeres o verbo!

O teu filho omite palavras ou usa códigos nas redes sociais? A língua evolui, mas há excessos. Mostra-lhe este artigo. Vai responder: TLDR (too long, didn’t read).

“Posso bolacha?”, “Vamos parque?”, “Posso casa de banho?”. De certeza que já ouviste os teus filhos ou outras crianças fazerem uma pergunta deste género, é uma tendência que se nota cada vez mais, mesmo já em idade escolar, no primeiro ciclo. Chegam também a dizer ou escrever frases de uma forma quase indecifrável para quem não conhece o ‘código’.

A eliminação dos verbos, preposições ou artigos é uma consequência da procura constante de reduzir a mensagem, presente também no uso de abreviaturas como ‘k’ em vez de ‘que’, ou de acrónimos, na sua maioria de expressões inglesas, como ‘OMG’ (Oh my god!, que se traduz como Oh, meu Deus), e ainda a utilização de emojis em substituição de palavras.

Os riscos da ‘economia da linguagem’

Consequência natural da evolução da língua e da comunicação, a economia da linguagem é até, em teoria, uma movimentação positiva. O ser humano procura sempre simplificar, é o princípio do menor esforço na procura do melhor resultado. Isso traduz-se numa linguagem mais clara, concisa e direta, mais fácil de perceber.

No entanto, nas últimas décadas assistiu-se, principalmente nas crianças e jovens, a uma perda de riqueza linguística e de vocabulário, uma procura de abreviações. A causa está bem identificada: o mundo digital, os ecrãs, a internet e as redes sociais. A própria sociedade e a intensidade do dia a dia favorecem a comunicação de consumo imediato, sendo osposts ou vídeos rápidos das redes sociais um bom exemplo. A consequência de tudo isto é uma redução da leitura atenta e demorada, o que empobrece a escrita.

Qual o impacto das redes sociais?

Curiosamente, com o digital, a comunicação tornou-se maior entre os jovens, seja por mensagens escritas e aplicações, pelas redes sociais ou pelos videojogos com chat. O problema não reside diretamente na internet - apesar de existir uma menor qualidade e variedade de escrita -, mas mais na falta de hábitos de leitura e na preferência por cultura de consumo rápido (séries, filmes e música).

A escrita digital e as redes sociais têm um peso nos problemas de escrita porque não há a atenção devida para corrigir, para confirmar o que se escreve. O contacto com conteúdos em inglês aumenta o uso de anglicismos e o esquecimento de palavras correspondentes em português. E o consumo de páginas ou vídeos brasileiros, como no TikTok, YouTube ou Instagram, leva a que muitos jovens tomem algumas palavras ou expressões como corretas em português de Portugal.

A importância da leitura

É fundamental privilegiar a literacia linguística, a capacidade escrita e a aptidão verbal.Com a leitura, principalmente livros de boa qualidade e conteúdos educativos - incluindo na internet, que não é o vilão desta história por si só -, consegue-se aumentar o vocabulário e a compreensão escrita. Isso permite escrever ou dizer frases mais completas, que se traduzem em raciocínios mais complexos e num maior entendimento, quer da língua, quer do contexto à volta, na escola e na vida em geral.

Como se encontra Portugal?

Em todos os países, principalmente os mais desenvolvidos, onde o contacto com os media digitais é superior, nota-se uma tendência maior para a economia da linguagem, para a escrita oralizada e para o uso de palavras abreviadas e acrónimos - algumas acabarão mesmo por ser introduzidas nos dicionários. Portugal não é exceção.

Causa e consequência disso é a literacia digital, que vai melhorando lentamente, mas ainda deixa Portugal num patamar baixo face a outros países. Três estudos recentes traçam o perfil dos jovens portugueses no domínio da literacia digital:

  • O estudo europeu EduMediaTest, que avaliou as competências e educação para os média em jovens dos 14 aos 18 anos, identificou maiores capacidades nas raparigas, e quando a mãe tem um grau académico superior. Concluiu ainda que os jovens portugueses têm bom desempenho na Tecnologia e Estética, mostrando maiores dificuldades na Linguagem.
  • Outro estudo europeu, o ySKILLS, focou-se na literacia digital, com resultados semelhantes. Destacam-se as competências de interação e comunicação, ficando mais abaixo as de criação e produção de conteúdos e as de informação e navegação.
  • Também a ANACOM divulgou um estudo de literacia digital da Comissão Europeia, para todas as idades. Portugal está em 12.º lugar do ranking, com 29,9% das pessoas acima do nível básico de literacia digital (média UE de 27,3%). Mas o Digital Skills Indicator não esconde que mais de metade têm um nível básico ou abaixo do básico.

A literacia digital tem uma tremenda influência na qualidade da escrita, sem esquecer a capacidade de análise e interpretação de textos e informação, e a própria segurança dos utilizadores, nomeadamente os jovens. Reforçar as suas competências e ter atenção ao que eles consomem nos meios digitais e nas redes sociais é também uma tarefa dos pais, e tem um impacto positivo a todos os níveis.

Como escreveu Fernando Pessoa, pela caneta de Bernardo Soares, “minha pátria é a língua portuguesa”.

Como melhorar a capacidade linguística dos teus filhos:

  • Promove a leitura, sugere livros, dá o exemplo, ajuda a entender desde a mensagem ao significado de palavras específicas. 
  • Reduz o tempo de ecrã e, mais do que isso, tem atenção ao que é consumido na internet e nas redes sociais, promovendo conteúdos que reforcem a linguagem;
  • Está atento aos programas de televisão ou séries, mas não numa perspetiva controladora, pois muitos que à primeira vista não parecem adequados, como alguns de humor ou animação, têm uma linguagem rica e estimulam a criatividade;
  • Promove jogos ou desafios que envolvam a língua, desde a palavra proibida para tentar contrariar expressões muito repetidas, como ‘top’ ou ‘ya’; ao jogo do Stop para demonstrar conhecimentos; ou ao jogo dos sinónimos, em que para cada palavra têm de ser encontradas duas equivalentes, ou contrárias;
  • Faz um esforço para teres uma linguagem cuidada, de modo que isso passe para os teus filhos, e tenta corrigir os erros, de uma forma empática mas sempre que ocorrerem;
  • Motiva a aprendizagem da língua, entusiasma-os, mostra-lhes a importância de ter um discurso fluente, uma escrita correta e uma boa capacidade de interpretação de texto para o futuro deles. Explica que a capacidade de interpretação é tão importante para as áreas científicas e artísticas como para as humanísticas.


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